GilmarJunior

Textos de minha vida.

sábado, fevereiro 26, 2005

Reforma recebe mais sugestões

CORREIO DO POVO - PORTO ALEGRE, SÁBADO, 26 DE FEVEREIRO DE 2005

Representantes de cerca de 20 entidades de educação, sindicais e da sociedade civil entregaram ontem em Brasília ao presidente Lula um documento de apoio ao anteprojeto de lei da reforma universitária. 'O encontro foi um marco no sentido de unir as entidades que defendem o aperfeiçoamento do anteprojeto', apontou a presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Educação Superior (Andifes), Ana Lúcia Gazzola. A ação também foi elogiada pelo ministro da Educação, Tarso Genro. 'São isoladas as vozes que dizem que a proposta do Ministério da Educação (MEC) não tem qualidade', disse.

A disposição de Tarso em discutir a proposta, antes da elaboração do texto final do projeto a ser enviado ao Congresso, agradou ao ex-ministro Cristovam Buarque. O também ex-ministro Paulo Renato Souza apontou que o projeto 'ainda está muito verde' e se encontra focado demais na universidade. Já Lula reiterou que a reforma universitária é um projeto que pertence a toda a sociedade. 'É preciso deixar muito visível para a sociedade e para os deputados que não é o presidente da República, nem o ministro da Educação que quer a reforma', afirmou. Ele pediu aos reitores e presidentes de entidades de ensino superior que tenham coragem para pôr em prática os pontos do projeto.

O secretário municipal de Educação de São Paulo, José Aristodemo Pinotti, ressaltou que o projeto acerta na proteção à universidade pública. Segundo Pinotti, as falhas residem no fato de não haver referência à pós-graduação, ao ensino à distância entre outros. Mas ele também frisa que 'a grande vantagem é que começamos a discutir'.

Matéria do Correio do Povo em 26 de fevereiro de 2005

Washington - A bem coreografada viagem de cinco dias que o presidente George W. Bush fez à Europa para reatar a amizade dos Estados Unidos com seus aliados tradicionais e melhorar o carregado ambiente das relações transatlânticas produziu os resultados esperados pela Casa Branca. Nos jornais e na televisão dos EUA, as imagens da cobertura das andanças de Bush por Bélgica, Alemanha e Eslováquia não mostraram protestos, mas apenas um líder calorosamente recebido e até festejado nos lugares que visitou.

Além da impressão de mais harmonia entre as autoridades européias e Bush, que mal se falavam por causa da guerra no Iraque, a viagem parece ter produzido a aproximação entre EUA e Europa ante o desenvolvimento de um suposto programa nuclear no Irã. O presidente americano prometeu pensar sobre as sugestões que Inglaterra, França e Alemanha teceram sobre a tentativa de convencer os iranianos, pela via diplomática, a desistir da produção de bombas nucleares. Bush classificou de 'ridículas' as especulações de que os EUA estejam preparando um ataque contra Teerã, mas sublinhou que 'todas as opções estão sobre a mesa'. O ceticismo dos europeus contra o líder americano encontra respaldo em uma visível incongruência de política externa. Bush recusa unir-se aos aliados nas negociações com o Irã, que ainda não tem armas nucleares, mas insiste na retomada de conversas entre EUA, Rússia, China, Japão e Coréia do Sul para pressionar a Coréia do Norte, que disse possuir bomba nuclear.

Quanto ao Iraque, o pivô do fosso diplomático com a Europa, Bush festejou o anúncio de ajuda no treinamento da nova força de segurança do país. Os europeus, porém, apontaram que participarão sem o envio de tropas, mas treinando milícias iraquianas no próprio continente.

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

O esquecido conflito no Sudão – 22 de fevereiro de 2005

No começo de 2004, uma ONG francesa chamada Médicos Sem Fronteiras divulgou um relatório, no qual elencava as dez grandes tragédias humanitárias que a mídia norte-americana cobriu muito mal ou praticamente ignorou. É a sexta edição do documento, que contemplou, entre outros, o conflito russo na Tchetchênia e as guerras civis no Congo e no Burundi.

A displicência da imprensa dos EUA pode ser estendida, de certa forma, ao Brasil. Aqui, o jornalismo que grassa na maioria dos veículos é considerado tributário da potência planetária. A busca por um conceito difuso de objetividade, desembocando na ditadura do texto curto e da camisa-de-força do lide, é a prova de que profissionais brasileiros e estadunidenses pressupõem que tratam a todos com parcimônia e igualdade. Leso engodo.

A maioria da cobertura jornalística, em especial na Editoria de Mundo, segue a cartilha da supervalorização dos fatos nos centros de poder, em detrimento das vastas regiões empobrecidas do planeta. O brutal que acontece nos EUA é logo visto como produto de uma sociedade industrializada. O um fato similar em um país africano, por exemplo, leva a pecha de conflito irracional.

O caso das hostilidades na região de Darfur, no Sudão, ilustra o referido. Ao tomar conhecimento das mortes nesse país, grande parte da comunidade internacional (leia-se o seleto grupo de países europeus e os EUA) tratou de endossar o conservadorismo político vigente. A culpa primeira recaiu sobre a ONU, que se mostra mais uma vez incapaz de dirimir as catástrofes humanitárias. Em seguida, o reducionismo toma forma: essas belicosidades não passam de embates de ordem civilizacional, por se tratar de uma guerra inevitável em uma área de fronteira do mundo islâmico.

O desenrolar desse acontecimento me fez analisá-lo, antes de o descartar da pauta diária. Na época, trabalhava no jornal O Sul, o mais recente diário de Porto Alegre (RS). Li tudo que me saltava à vista sobre Darfur, suas condições geográficas, além da conturbada história do Sudão. Fui ter com o editor-chefe, para darmos o merecido destaque ao fato. Qual não foi minha surpresa quando o suposto líder da redação atirou as folhas que eu havia separado religiosamente e, com desdém, disparou: “Ah, conflito de negro não é importante”. Tentei argumentar, mas tamanha visão preconceituosa sabotava minhas tentativas, que soavam, segundo ele, “humanitárias demais (sic)”.

Sentei na minha mesa e fiquei a divagar. Os noticiários das maiorias dos veículos impressos e digitais não conseguiam acabar com meu mal-estar. Conflito de negros soava retrógrado demais. Porém, não se faz quando o centro do poder não quer ver. Passei, então, a buscar informações sobre isso.

Ao contrário do que se imagina, o conflito em Darfur não possui uma matriz religiosa, respaldada na expansão do islamismo ao Sul do Saara. O Sudão está há 21 anos afetado por uma guerra que contrapõe o Norte muçulmano (onde se localiza Darfur) e o Sul cristão-animista. Mas Darfur tem seus próprios ingredientes para a emergência de uma nova peleja. Os que se matam aí são muçulmanos, mas o âmago das agressões reside na diferença étnica dos habitantes da área. A violência coloca em lados opostos as tribos africanos autóctones, que praticam uma agricultura de subsistência e são sedentários, e as comunidades islâmicas, nômades e praticantes da pecuária itinerante. O choque de estilos de vida diferentes recrudesceu face ao agravamento da desertificação no Sahel, uma área de clima semi-árido que bordeja o deserto do Saara, a partir dos anos 80. O meio ambiente se degrada e as populações, em vez de buscar a união para sanar o problema, armaram-se para o inevitável choque.

A disputa armada por terra e água fez o governo sudanês esboçar alguma atitude. A reação, no entanto, orientou-se pelo favorecimento da população árabe, que é majoritária no Sudão, mas perde em Darfur para as comunidades africanas. Uma guerra suja, que lembra alguns requintes da praticada por Slobodan Milosevic na Sérvia, é a saída encontrada por Cartum, que aos olhos do mundo buscar dar um basta ao problema. As etnias africanas Fur, Massalit e Zaghawa são as mais vitimadas.

Quanto à incapacidade da ONU (estendida ao secretário-geral Kofi Annan) com os problemas mundiais, isso serve apenas para dar legitimidade à política unilateral dos EUA em invadir países onde a liberdade (outra palavra prostituída pelo uso indevido) esteja ameaçada. O “grande” país da América do Norte dificulta a ação do órgão ao criar obstáculos diplomáticos no Conselho de Segurança, o responsável direto pela aplicação de planos de paz. O genocídio de etnias rivais em Ruanda contou com o fomento secular de potências européias, que incutiram o ódio e a rivalidade nos tutsis e nos hutus. A ONU nada pôde fazer, e a missão criada para promover a paz se tornou apenas um órgão títere.

As Nações Unidas, entretanto, não estão isentas de culpa. O caso de Darfur foi primeiramente avaliado como explosão de ódios seculares e não como um genocídio muito bem orquestrado. Em seguida, Annan recomendou ao Conselho de Segurança o envio de uma missão de reconhecimento e de preparação para operações de paz, em junho de 2004. Como sempre, a medida passou pelo crivo dos grandes mentores deste planeta. Uma tímida ajuda foi despachada e Darfur sumiu do noticiário. Seria o fim de mais um exotismo do Terceiro Mundo?

Os grandes Estados mundiais assistem ao espetáculo tétrico, que ainda acontece de forma esporádica, mas ceifando vidas. O petróleo no Sul do Sudão continua incólume e a serviço dos ricos. A televisão mostrou acampamentos de africanos em constante fuga das tropas árabes. Quatro milhões de sudaneses passam fome, de acordo com dados de 2004 da Enciclopédia Larrouse. Não obstante, permanece o status quo do país africano: um mero fornecedor de matéria-prima para os ditos países civilizados.

domingo, fevereiro 20, 2005

Pastos e Pastanges - evento no mês de maio mostra a importância de dom Pedrito no setor primário gaúcho

PASTOS E PASTAGENS - fevereiro de 2005

O ano de 2005 mobilizou as atenções do setor primário gaúcho para uma questão: a estiagem. Os noticiários chegam às casas do Rio Grande do Sul para revelar um número crescente de municípios em situação de emergência ou reuniões da cadeia produtiva que buscam alternativas para a queda de produtividade. Nada escapa da tragédia climática: arroz, soja, milho, fumo e o tradicional gado, de corte e leiteiro.

No entanto, o setor primário do Estado não repousa apenas em lamentações. Nos dias 20 e 21 de maio, ocorre em Dom Pedrito, na região Sul, a 13ª edição do Seminário Pastos, Pastagens e Suplementos, no Parque de Exposições do Sindicato Rural do município. O evento tem como intuito fomentar discussões do universo relacionado à pecuária. Mercado, nutrição, as relações entre patrão e empregado etc são os temas que norteiam a pauta do encontro.

De acordo com José Roberto Pires Weber, um dos delegados representantes da edição deste ano, o seminário vem mantendo uma média de 500 pessoas por ano. “O público participante são de estudantes de Medicina Veterinária, de Agronomia, além de zootécnicos e produtores”, afirma Weber, que ressalta a presença de empresários estrangeiros do setor. Ele destaca que produtores da África do Sul, Argentina, Nova Zelândia entre outros países já marcaram presença em edições anteriores. Weber fala com naturalidade do seminário, já que coordenou nove edições do acontecimento. O atual delegado atuou da 4ª até a 12ª edição, quando era presidente do Sindicato Rural de Dom Pedrito. Ele ainda endossou a importância do seminário: “é o maior evento permanente de pecuária do Estado”.

O fato de Dom Pedrito ser a sede de um importante acontecimento da pecuária gaúcha não se deve ao acaso. A economia da cidade dá respaldo para as discussões acerca do gado. Dom Pedrito exporta reprodutores Angus, Hereford, Braford e Brangus, tornando-se notória quando o assunto é qualidade genética. O rebanho bovino pedritense atinge 420 mil cabeças. Os ovinos também encontram um bom plantel, cerca de 200 mil cabeças. A criação ovina sofreu um novo alento com a reabertura do frigorífico da Cotrijuí. E, por fim, Dom Pedrito está intimamente associada aos eqüinos, devido à existência de um Núcleo de Criadores de Cavalos Crioulos. A Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC) declara que o município cria 10.648 cavalos crioulos.

Diante de uma economia pujante, Weber explica que a tônica do seminário é a troca de experiências entre o setor produtivo e a comunidade acadêmica. O evento de 2004 foi organizado em duas palestras – uma de abertura e outra de encerramento – e oito oficinas. “O produtor ou estudante presente não vai conseguir assistir a todas as palestras, pois muitas delas acontecem nos mesmos horários”, apontou. Ele mencionou que as palestras sempre vão atingir um público específico. “Os temas são bem direcionados para diversas categorias”, acrescentou.

Para o sucesso de um evento de apenas dois dias, o trabalho oneroso da organização merece uma grata menção. Em janeiro, a prospecção por temas e pelos palestrantes já toma corpo. Weber salienta que palestrantes estrangeiros funcionam como chamariz das discussões, mas que também representam um problema. “Os estrangeiros funcionam como vedetes, mas a compreensão do idioma atrapalha. Os tradutores nem sempre conseguem acompanhar o ritmo da fala de algumas pessoas. E outros falam tão devagar que deixam a palestra muito parada”, disse. Em seguida, com os contatos realizados, a questão da infra-estrutura passa a ser prioridade. Muitas palestras demandam recursos especiais, como datashow, slides. Weber conta que esses equipamentos são fornecidos pelo próprio sindicato. A algumas semanas do seminário, os equipamentos são colocados no Parque de Exposições, considerado “grande para acomodar tudo que for necessário”.

O presidente da Federarroz (Federação dos Arrozeiros do Rio Grande do Sul), Valter José Pötter, ressalta que a eclosão de eventos – como o Pastos, Pastagens e Suplementos – funciona como difusor de novas práticas e de tecnologias para o meio rural. “O Sindicato e a Federarroz estão juntos para melhorar o setor”, completou. Pötter também faz parte do Sindicato Rural de Dom Pedrito, na função de delegado representante da entidade.

sábado, fevereiro 19, 2005

GALEANO E SARAMAGO PROPÕEM UM MUNDO QUIXOTESCO

O Fórum Social Mundial de 2005 trouxe, como de costume, inúmeros personagens de renome da esquerda mundial para Porto Alegre. Mas dois nomes, por si só, deram uma nova guinada às discussões por um mundo melhor. Eles escrevem crônica, ficção, romance e contos, com a densidade de ensaios de política e filosofia. E, por isso mesmo, foram recebidos no FSM com a ovação tradicionalmente destinada a ídolos da música ou do cinema, com direito à fila de centenas de metros, gritos e urros diante da lotação além da conta do Auditório Araújo Vianna, na manhã de sábado de 29 de janeiro deste ano. A palavra ao vivo de José Saramago e Eduardo Galeano foi consumida com fervor na mesa-redonda Quixote Hoje: Utopia e Política, da qual participaram também Ignacio Ramonet, Frederico Zaragoza, Luiz Dulci e Roberto Savio.

Galeano, autor de As veias abertas da América Latina, esteve em edições anteriores do evento e sempre provocou rebuliço. Da primeira vez, em 2001, o direito de entrar no teatro do prédio 40 da PUCRS para assistir a suas palestras foi disputado a tapa, uma curiosa contradição ao espírito da não-violência. O público extra se acomodou no palco, cujo era pequeno demais diante da necessidade tão grande e tão urgente de ouvir alguma voz amiga na contracorrente do neoliberalismo. Saramago veio pela primeira vez ao megaevento que Ramonet comparou, com humor, aos “jogos olímpicos da crítica da globalização” ou “férias sociais mundiais”.

Cavaleiro endividado

“Quixote estava preso por dívidas, como nós da América Latina estamos”, disse Galeano, referindo-se ao “anti-herói de dimensões heróicas” de Miguel de Cervantes, inspirador do encontro. Para fornecer provas de que existe um outro mundo sendo gestado na barriga deste – quem sabe uma espécie de contramundo da infâmia -, o escritor contou a história de Vargas, um pintor analfabeto e talentosíssimo que conheceu na Venezuela.

Vargas vivia num povoado escurecido pela exploração do petróleo, um lugar tão feio e fétido que lá o arco-íris era preto e branco e os urubus voavam de costas. Mesmo assim, ele pintava flores, árvores e aves enormes cujo colorido humilhava as pranchetas mais ricas, discorreu ele. “Eu disse aos meus amigos que Vargas era um pintor realista, ele pintava a realidade que não existe, mas de que se necessita”, disse. O não-lugar da etimologia da palavra utopia, lembrou, pode ter lugar nos olhos que ainda não enxergam esse lugar, mas o adivinham.

A não-utopia

Galeano sequer usou os 15 minutos a que tinha direito. De certa forma, deu a deixa para o final da fala de Saramago, que logo apresentou como má-notícia para a platéia o fato de ele não ser um utopista. Para o primeiro Nobel de Literatura de língua portuguesa, “o único lugar que existe é o dia de amanhã, a nossa utopia é fazer alguma transformação já”. Não há tempo, explicou, para gastar em discussões e movimentos de mobilização que resultarão em alguma melhora na qualidade global de vida somente em 2043 ou, pior, daqui a 150 anos. “Quem nos garante que no futuro as pessoas estarão interessadas naquilo em que agora estamos?”, ele provocou, sugerindo menos retórica e uma revisão rigorosa nos conceitos da esquerda. “Para as cinco bilhões de pessoas que vivem na miséria, utopia é nada”.

Os palestrantes fizeram cada um a sua leitura da personagem de Cervantes, nascida na Espanha no século XVII, viva e reciclada ao longo de 400 anos. Zaragoza destacou a busca do impossível e a visão distinta da realidade do cavaleiro andante. O diretor da Unesco também citou a tese do prêmio Nobel de Física, Ilya Prigogine, de que é necessário calor para provocar as reações. Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, questionou a suposta loucura de Quixote.
“Aqui há quixotes e quixotas, mas não estamos loucos”, garantiu. Segundo o jornalista e semiólogo francês, Quixote não era um fanático da sociedade ideal, e seu desajuste com a vida real consistia na disposição de não suportar injustiças. Ele pensava ser possível ter um mundo diferente, mas não tinha programa nem manual de instruções. Mais ou menos como se encontram hoje, quatro séculos depois, milhares de altermundistas, os “batalhões de quixotes” a que se referiu Ramonet.

Persistência para o ridículo e a derrota

Galeano preferiu destacar na personagem imortal da literatura um talento também persistente para o ridículo e a derrota. Saramago sugeriu a tese de que Quixote fez um truque: declarou ser louco, sem sê-lo. “No fundo ele era um pragmático”, arriscou, num dos vários momentos da manhã em que a ironia e mesmo a gozação pareciam preencher os espaços do auditório.
“As palavras são umas desgraçadas, fazemos delas o que queremos”, afirmou o romancista. “Veja a política, por exemplo. Eu já disse que a política é a arte de não dizer a verdade, ela falseia, deturpa, condiciona e manipula”. Saramago fez essas declarações em seguida à fala do único político na mesa, o ministro Luiz Dulci, também o único palestrante vaiado (e igualmente aplaudido) pela platéia.

A presença de um integrante do governo Lula, que declaradamente tenta levar o conceito de utopia para a prática política, provocou tensões interessantes num evento marcado pela troca amistosa de frases de efeito. À observação de Saramago, de que a democracia representativa é uma farsa, afinal nela, a escolha possível, por meio do voto, é muito limitada (retirar do poder alguém de que não se gosta e colocar em seu lugar alguém de que talvez se vá gostar), Dulci rebateu com a execução do Orçamento Participativo em administrações petistas. O chamado OP foi justamente a experiência radical de aplicação e controle dos gastos públicos que trouxe o FSM para Porto Alegre, iniciada ainda nos primeiros meses da administração de Olívio Dutra na prefeitura, em 1989, quando os recursos em caixa estavam zerados. Quixotismo, naquela época, era eufemismo. A lembrança acendeu uma homenagem comovida de Galeano: “Essa cidade deu lições ao mundo de democracia participativa. Obrigado, Porto Alegre!”

Transformação

Diante dos vários autores famosos citados pelos palestrantes na esteira da obra de Cervantes (Fernando Pessoa, Bernard Shaw, Manuel Bandeira, Thomas Morus entre outros), Saramago voltou à carga, na hora das perguntas, redobrando a ironia: “Atenção, atenção, muita atenção”, anunciou. “Muita atenção porque eu vou pronunciar uma frase histórica”. E lá veio ela: “O que transformou o mundo não foi uma utopia, foi uma necessidade”. O Nobel de Literatura logo esclareceu que a frase não era de alguém famoso, era dele mesmo, inventada ali na hora.

Alguém poderia contrapor que utopias e necessidades são a mesma coisa, e que uma negativa entre elas é apenas mais uma palavra desgraçada. Tanto faz. Para Saramago, a necessidade mais urgente é discutir a democracia, que está por aí, incólume em um altar, de quem não se esperam mais milagres. “A democracia hoje está seqüestrada, amputada. É o capital financeiro que governa o mundo, e ele não foi escolhido pelos povos”, apontou.

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

As resoluções do Fórum Social Mundial - 2005

Um grupo de renomados ativistas e intelectuais lançou no dia 29 de janeiro, durante o 5º Fórum Social Mundial, um manifesto que tem como objetivo dar cara e corpo às propostas debatidas e defendidas pelos movimentos sociais. O documento Doze Propostas para Outro Mundo Possível foi assinado, entre outros, por Adolfo Pérez Ezquivel, Eduardo Galeano e Frei Betto.
O manifesto propõe o cancelamento da dívida pública dos países do sul, a taxação internacional das transações financeiras e o desmantelamento progressivo dos paraísos fiscais, jurídicos e bancários. Além disso, ele pede também a proibição de todo o tipo de patente de conhecimento e seres vivos, assim como da privatização de bens comuns da humanidade, em particular a água.
– Entre as inúmeras propostas que saíram dos Fóruns, um grande número delas conta sem dúvida com um amplo apoio nos quadros dos movimentos sociais – afirma a carta.
Mas a tentativa de elaborar um documento com propostas consensuais passou longe do consenso.
– É um manifesto deles para caracterizar uma alternativa ao Consenso de Washington, e será agregado às outras propostas de ação do FSM – disse Francisco Whitaker, um dos integrantes do Comitê Internacional do FSM, que preferiu não assinar o documento.
O manifesto foi lançado em um tradicional hotel no centro de Porto Alegre, no início da noite de sábado, longe do Território Social Mundial, que concentra as atividades do FSM.
– Nós nos expressamos a título estritamente pessoal e não pretendemos falar em nome do Fórum. Submetemos esses pontos fundamentais à apreciação dos atores e movimentos sociais de todos os países – esclarece o documento.
Os signatários do manifesto são: Adolfo Pérez Esquivel; Aminata Traoré; Eduardo Galeano; José Saramago; François Houtart; Armand Matellar; Boaventura de Sousa Santos; Roberto Sávio; Ignácio Ramonet; Ricardo Petrella; Bernard Cassen; Samuel Luis Garcia; Tariq Ali; Frei Betto; Emir Sader; Samir Amin; Atílio Borón; Walden Bello e Immanuel Wallerstein.Confira os principais pontos do manifesto:1) Anular a dívida pública dos países do Hemisfério Sul, que já foi paga várias vezes e que constitui, para os Estados credores, os estabelecimentos financeiros e as instituições financeiras internacionais, a melhor maneira de submeter a maior parte da humanidade à sua tutela;
2) Aplicar taxas internacionais às transações financeiras (especialmente a Taxa Tobin às transações especulativas de divisas);
3) Desmantelar progressivamente todas as formas de paraísos fiscais, jurídicos e bancários, por considerá-los como um refúgio do crime organizado, da corrupção e de todos os tipos de tráficos;
4) Cada habitante do planeta deve ter direito a um emprego, à proteção social e à aposentadoria, respeitando a igualdade entre homens e mulheres;
5) Promover todas as formas de comércio justo, rechaçando as regras de livre comércio da Organização Mundial do Comércio (OMC). Excluir totalmente a educação, a saúde, os serviços sociais e a cultura do terreno de aplicação do Acordo Geral Sobre o Comércio e os Serviços (AGCS) da OMC;
6) Garantir o direito à soberania e segurança alimentar de cada país, mediante a promoção da agricultura campesina. Isso pressupõe a eliminação total dos subsídios à exportação dos produtos agrícolas, em primeiro lugar por parte dos Estados Unidos e da União Européia. Da mesma maneira, cada país ou conjunto de países deve poder decidir soberanamente sobre a proibição da produção e importação de organismos geneticamente modificados destinados à alimentação;
7) Proibir todo tipo de patenteamento do conhecimento e dos seres vivos, assim como toda a privatização de bens comuns da humanidade, em particular a água;
8) Lutar por políticas públicas contra todas as formas de discriminação (sexismo, xenofobia, anti-semitismo e racismo. Reconhecer plenamente os direitos políticos, culturais e ambientais (incluindo o domínio de recursos naturais) dos povos indígenas;
9) Tomar medidas urgentes para pôr fim à destruição do meio ambiente e à ameaça de mudanças climáticas graves. Implementar outro modelo de desenvolvimento fundado na sobriedade energética e no controle democrático dos recursos naturais;
10) Exigir o desmantelamento das bases militares estrangeiras e de suas tropas em todos os países, salvo quando estejam sob mandato expresso da Organização das Nações Unidas;
11) Garantir o direito à informação e o direito de informar dos cidadãos mediante legislações que ponham fim à concentração de veículos em grupos de comunicação gigantes;
12) Reformar e democratizar em profundidade as organizações internacionais, entre elas a Organização das Nações Unidas (ONU), fazendo prevalecer nelas os direitos humanos, econômicos, sociais e culturais, em concordância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Isso implica a incorporação do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e da Organização Mundial do Comércio ao sistema das Nações Unidas. Caso persistam as violações do direito internacional por parte dos Estados Unidos, transferir a sede da ONU de Nova Iorque para outro país, preferencialmente do Sul.

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Carta do povo de Faluja, no Iraque, para Kofi Annan, secretário da ONU

À Sua Excelência Kofi Annan
Secretário-geral das Nações Unidas Nova York

Faluja, 14 de Outubro de 2004

Excelência:

É mais que evidente que as forças estadunidenses estão a cometer diariamente crimes de genocídio no Iraque. Neste momento, enquanto lhe escrevemos, as forças estadunidenses estão a perpetrar esses crimes na cidade de Faluja. Os aviões de guerra dos EUA estão a lançar as mais potentes bombas contra a população civil da cidade, assassinando e ferindo centenas de pessoas inocentes. Ao mesmo tempo, os seus tanques atacam a cidade com artilharia pesada. Não foram desenvolvidas acções por parte da Resistência de Faluja nas últimas semanas porque as negociações entre os representantes da cidade e o governo [interino de Ilyad Allawi] avançavam. Nesse clima, os novos bombardeamentos por parte dos EUA verificaram-se enquanto o povo de Faluja se dispunha a preparar-se para o jejum do Ramadão. Agora muitos deles estão presos entre as ruínas das suas casas destruídas e ninguém os pode ajudar enquanto os combates continuam.

Na noite de 13 de Outubro um só bombardeamento estadunidense destruiu 50 casas com os seus residentes dentro. Será isto um crime de genocídio ou uma lição sobre a democracia estadunidense? É óbvio que os estadunidenses estão a executar actos de terror contra o povo de Faluja por uma só razão: a sua recusa em aceitar a ocupação.

Sua Excelência e o mundo inteiro sabem muito bem que os estadunidenses e seus aliados devastaram o nosso país sob o pretexto da ameaça de armas de destruição maciça. Agora, após toda a destruição e os assassinatos de milhares de civis, admitiram que as armas não foram encontradas. Mas nada disseram sobre os crimes que cometeram. Vão os EUA pagar alguma compensação como se obrigou o Iraque a fazer após a Guerra do Golfo de 1991?

Al-Zarqawi: um pretexto inventado pelos EUA.

Sabemos que vivemos num mundo de critérios duplos. Em Faluja [os estadunidenses} criaram um novo e vago objectivo: "al-Zarqawi". Al-Zarqawi não é senão um novo pretexto para justificar os seus crimes, matando e bombardeando civis todos os dias. Passou-se quase um ano desde que criaram este novo pretexto e cada vez que destruem casas, mesquitas, restaurantes e matam crianças e mulheres dizem "lançámos uma operação com êxito contra al-Zarqawi". Nunca dirão que o mataram porque tal pessoa não existe. E isso significa que o assassínio de civis e o genocídio quotidiano prosseguirá.

O povo de Faluja assegura a V. Exa. que essa pessoa, se existir, não está em Faluja nem provavelmente em nenhum outro lugar do Iraque. O povo de Faluja pediu muitas vezes que qualquer pessoa que veja al-Zarqawi lhe dê a morte. Agora todo o mundo percebeu que este homem não senão um herói hipotético criado pelos estadunidenses. Ao mesmo tempo, o representante de Faluja, nosso dirigente tribal, denunciou em repetidas ocasiões as acções de sequestro e o assassínio de civis, nós não temos nenhuma relação com qualquer grupo que se comporte de maneira tão desumana.

Excelência: Apelamos a si e a todos os dirigentes do mundo para que exerçam a pressão mais forte possível junto à administração Bush para que ponha fim aos seus crimes em Faluja e para que retire o seu exército da cidade. Faluja gozava de tranquilidade e paz quando saíram. Não fomos testemunhos de nenhuma desordem na cidade. A administração civil funcionava bem apesar dos seus limitados recursos. Simplesmente não demos as boas vindas às forças de ocupação. Esse é o nosso direito de acordo com a carta das Nações Unidas, com o Direito Internacional e com as normas da humanidade. Se os estadunidenses acreditam ao contrário, deveriam abandonar antes as Nações Unidas e todas as suas agências antes de actuar de modo contrário à Carta que subscreveram.

É muito urgente que V. Exa., juntamente com os dirigentes mundiais, intervenha de maneira imediata para prevenir um novo massacre. Tentámos contactar os vossos representantes no Iraque a fim de pedir-lhes que sejam mais activos a este respeito mas, como sabe V. Exa., estão a viver na "Zona Verde" [de máxima segurança em Bagdad], onde não podemos aceder. Queremos que as Nações Unidas tomem partido sobre a situação de Faluja bem como da de muitas partes do nosso país.

Com os nossos melhores cumprimentos,
Kassim Abdullsattar al-Jumaily
Presidente do Centro de Estudos dos Direitos Humanos e da Democracia

Em nome do povo de Faluja e do:
Conselho da Shura de Al-Faluya
Associação de Sindicatos Sindicato dos Professores
Conselho dos Dirigentes tribais
Casa da Fatwa e da Educação Religiosa

domingo, fevereiro 13, 2005

A apoteose de Lula - por Tina Evaristo

A vida anda azul para o presidente Lula. Sua popularidade está em 62%; a inflação continua em queda, apontando para 6% em 2005; o crescimento resiste no patamar de 4% – e se tudo correr nos trilhos, este ano o Brasil sobe da 15ª para a 12ª posição no ranking das economias mundiais. Mas a apoteose de Lula no poder ainda está para ocorrer. Na noite da quinta-feira 27, o presidente embarca rumo a Davos, nos Alpes Suíços, em seu novo avião oficial, um Airbus A-319, de US$ 56,5 milhões, batizado de Santos Dumont, mas apelidado de AeroLula. A viagem marcará o début internacional da aeronave. Quando cruzar o Atlântico, ao custo de US$ 2,1 mil por hora, os brasileiros terão gastado R$ 79,4 mil com a travessia. Lula está indo a Davos participar pela segunda vez do Fórum Econômico Mundial. Erguida ao pé da Montanha Mágica imortalizada por Thomas Mann, Davos abriga uma das estações de esqui prediletas das elites européias. O Itamaraty conseguiu instalar o presidente e sua mulher Marisa no hotel mais luxuoso do lugar, o Belvédère, onde as suítes custam entre US$ 555 e US$ 660. Na sexta-feira 28, o presidente terá a oportunidade de ocupar por 30 minutos o púlpito principal, no Centro de Convenções, para ler sua mensagem a um seleto público formado por 25 chefes de Estado, 70 ministros, 76 lideranças da sociedade civil e 500 empresários que confirmaram a presença no evento – gente do calibre de Bill Gates, da Microsoft, e Chuck Prince, do Citigroup. A glória, em alto estilo. Lula será o único estadista sul-americano convidado a discursar no principal auditório. Na semana passada, a assessoria do presidente preparava um discurso sobre o seu projeto do Fome Zero Mundial. “O terrorismo não deve ser combatido com armas, mas com a transferência de riqueza aos mais pobres”, deverá dizer na conferência.

O presidente mandou alugar para ele o melhor salão do Hotel Belvédère, o Atlantis (US$ 27,7 mil a meia diária) para que no sábado 29 apresente a investidores internacionais o projeto das Parcerias Público-Privadas. Um time de assessores do chanceler Celso Amorim (vai a Davos de AeroLula) e do ministro Luiz Fernando Furlan (também conseguiu vaga no AeroLula), está há três semanas convidando executivos de multinacionais para almoçar com o ministro José Dirceu. O Brasil encomendou refeição para 150, ao custo de US$ 55 por cabeça. Até a última quinta-feira, 80 deles tinham acenado com a presença. Bill Gates foi chamado. Executivos da Microsoft avisaram que já estava com a agenda cheia. Dentro da Casa Civil, assessores de Dirceu estão contando a versão de que Gates é que teria pedido para ver Lula – mas que nosso presidente estaria sem tempo de falar com o homem mais rico do mundo.

“Este governo virou um espetáculo do deslumbramento”, critica o senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL e inquilino de sete governos anteriores. “Por sua história de vida, o presidente Lula já deveria estar imune a brinquedos caros, como um avião de luxo.” A rigor, ninguém discute a necessidade do presidente precisar de um avião novo. O anterior, o Sucatão, um 707 há quatro décadas no ar, já estava proibido de aterrissar nos principais aeroportos da Europa e dos Estados Unidos. Ademais, a hora de vôo do Sucatão custava US$ 7 mil, três vezes e meia a mais que o custo do AeroLula. “O que se critica não é a compra da aeronave, mas o momento em que foi feita”, explica o economista Raul Veloso, maior especialista do País em finanças públicas. Desde que chegou ao poder, tem sido comum a Lula e a seu círculo íntimo de assessores inverter prioridades. “Esse governo se mobiliza com eficiência para gastar com o supérfluo, mas não despende esforços quando na pauta estão itens realmente necessários”, avalia o cientista político Paulo Kramer, da Universidade de Brasília, referindo-se aos projetos sociais.

Os gastos oficiais com passagens aéreas também surpreendem. De acordo com os números apontados pelo Sistema Integrado de Administração Financeira, o Siafi, o Executivo desembolsou no ano passado cerca de R$ 800 milhões em viagens. Mas utilizou somente R$ 29,4 milhões no programa “Primeiro Emprego”, uma das bandeiras do governo. No caso do Programa Nacional de Combate às Drogas, foram gastos apenas R$ 4,1 milhões – menos de um quarto do valor que Lula se esforçou para levantar junto a empresários para a reforma do Palácio da Alvorada. Nas últimas semanas, por exemplo, o Palácio do Planalto empenhou R$ 500 mil para a compra de livros e divisórias para a Biblioteca Presidencial; mais R$ 375 mil em uniformes novos para segurança e motoristas, R$ 51 mil em louças e R$ 15 mil em flores e R$ 7,3 mil em um novo tablado especial para que os seguranças de Lula possam treinar lutas marciais. “É muito gasto com bobagem”, diz o deputado Augusto Carvalho, autor do levantamento no Siafi. “É notório que o dinheiro público está sendo mal aplicado.” Como o presidente mudou-se em outubro para a Granja do Torto por conta da reforma no Alvorada, foi preciso resolver alguns desconfortos. Foram gastos, por exemplo, R$ 4,6 mil na compra de uma máquina de café expresso, R$ 820 em caixas acústicas para home theatre e outros R$ 666 num CD player para Omega australiano que serve ao presidente. Outros mimos estão a caminho.

sábado, fevereiro 12, 2005

O palco é da Coréia do Norte - por Gilmar em 11 de fevereiro de 2005

No dia 10 de fevereiro de 2005, o Ministério das Relações norte-coreano divulgou, de forma oficial, que o país detém arsenal nuclear. O anúncio coloca um basta à paralisação de cinco meses de negociações entre a Coréia do Norte, EUA, Japão e União Européia, cujo objetivo é livrar o mundo de uma ameaça de hecatombe nuclear.

A Coréia do Norte fez seu preocupante comunicado em um momento tênue da geopolítica internacional. Os EUA ainda não sedimentaram a construção da democracia no Iraque. O Irã apareceu nos noticiários como uma pedra no sapato, de tamanho considerável, nas ações americanas. E o pequeno país asiático coloca mais lenha na fogueira. As análises primárias dessa conjuntura podem deduzir que o presidente George W. Bush não errara ao mencionar a existência do “Eixo do Mal”.

A classificação de países entre o bem e o mal, no entanto, é uma prática de uso freqüente. O centro hegemônico sempre se arvora como o detentor das virtudes e aqueles que se contrapõem aos seus desmandos logo é tachado como subversivo ou com léxicos menos atraentes. O caso ainda recente do Afeganistão pode ilustrar essa idéia maniqueísta de mundo. Em 1979, tropas da União Soviética invadiram Cabul. O país foi tomado por um governo de orientação comunista e ateu. Em uma época de guerra fria, os EUA logo acionaram contatos em território afegão. Um xiita chamado Osama bin Laden foi armado até os dentes com os mais poderosos artefatos bélicos ocidentais. Segundo o jornalista uruguaio Eduardo Galeano, Osama encarnava o bem, em uma cruzada iminente contra as forças do mal (ou soviéticas, no entender ianque). Até mesmo um relógio de ouro, de procedência norte-americana, dava um brilho todo especial ao pulso de bin Laden.

Expulsos os soviéticos a partir de 1988, o grupo de bin Laden implantou no Afeganistão uma ditadura teocrática, o Talebã. O país permaneceu um dos mais pobres, conforme dados da ONU. Mas a criatura se voltou contra o criador e, como um corvo, tentou arrancar os olhos de quem lhe dera a vida. Os atentados de 11 de setembro de 2001 foram o sinal palpável de que a linha entre o Bem e o Mal pode se modificar. O sociólogo alemão Robert Kurz ressalta que os islâmicos são hoje obras do “demônio” pela visão dos EUA e que a recíproca também é forte e verdadeira. Esse reducionismo, que de todo não é falso, mostra que uma sociedade capitalista, na busca incessante por novos rumos que impeçam a desagregação do modo produtivo, tem de buscar o inimigo comum e confeccionar uma política externa da luta entre as forças do bem contra o mal. Entre os anos 50 e 80, a ex-União Soviética era o inimigo ideal. Os governos estadunidenses não almejavam aniquilar a URSS. O cenário era perfeito: o choque de ideologias e a ameaça de um holocausto nuclear atendiam a ambos. Uma série de países satélites gravitava em torno das duas superpotências, consumindo tecnologia e influência que elas tinham tanto a dar.

Mas o caso dos “radicais” islâmicos atesta que o inimigo comum fugiu do controle. A destruição das Torres Gêmeas não estava no script desse filme há tanto reprisado. Talvez, a produção ficcional de Hollywood tenha se imiscuído na mente da al Qaeda, para promover uma cena digna de um filme como “Independence Day”: o aniquilamento de um símbolo de pujança norte-americano. A derrocada do socialismo destruiu o embate Washington-Moscou e toda a comodidade que isso trazia. E os EUA procuram um alvo que seja inofensivo e que entre nesse jogo.

O Iraque também não convenceu como inimigo comum, devido à presença do ouro negro no subsolo do país. O deposto e ex-ditador Saddam Hussein também fora uma pessoa benquista nos meios da CIA. A guerra entre Irã e Iraque, entre 1980 e 1988, não foi lucrativa para nenhum dos envolvidos, mas direcionou muitas armas oriundas dos EUA para o regime de Saddam. O sucesso da Revolução Islâmica no Irã, sob a égide do aiatolá Khomeini, trazia o germe de que governos nacionalistas árabes pudessem se espalhar pelo Oriente Médio. Uma briga de fronteiras foi o estopim para que os EUA tentassem derrubar Khomeini e toda sua trupe. E um conflito de oito anos não trouxe benesses para lado algum, mas dotou o Iraque de tanques e de um efetivo de mais de um milhão de soldados.

A desmobilização do exército iraquiano geraria uma onda gigante de desemprego. O país também contraiu uma dívida externa considerável, US$ 80 bilhões, graças às belicosidades com o vizinho Irã. Em agosto de 1990, Saddam invade o Kuwait, na tentativa de salvar a economia do Iraque. O enredo novamente mudou: de um valoroso trampolim para desestabilizar o governo iraniano, Saddam passou a ditador, a um cruel e sanguinário governante. Era notória a participação dos EUA, na luta pela liberdade do povo iraquiano. Bombardeios foram autorizados pela ONU e a infra-estrutura do Iraque foi ao chão. Se o Kuwait fosse anexado pelo Iraque, o país de Saddam disporia de uma boa fatia do petróleo mundial, podendo decidir até a prática de preços. Seria, quiçá, a reedição da crise do petróleo em 1973.

A guerra terminou, mas não o ensejo norte-americano de provar que ainda era o xerife deste pobre planeta. Saddam continuava lá, impondo autoridade a pobres xiitas por meio de um governo ateu. Ainda, no início dos anos 90, comentava-se muito sobre a possível decadência dos EUA e isso alarmava a sociedade mais consumista do mundo. A missão ianque ainda não estava completa.

Alegando o pretexto de proliferação de armas químicas e nucleares em solo iraquiano, o inteligente, perspicaz e astuto presidente George W. Bush patrolou, a la cowboy, o veto da ONU a mais um conflito de grandes proporções e lançou-se a uma megaoperação no Oriente Médio. As ações da General Dynamics, da Lockheed e outras indústrias bélicas subiram vertiginosamente em Wall Street.

Mais mortes, de crianças inocentes e de homens e mulheres que apenas passavam, tornaram-se um mal necessário. Em 12 de maio de 1996, antes da última peripécia do menino Bush, a chanceler Madeleine Albright havia defendido as sanções impostas ao Iraque pelos EUA, cujos efeitos inibiam qualquer desenvolvimento da economia iraquiana. O povo pagava a pesada conta, com carestia, miséria e mortes. Questionada sobre a morte de meio milhão de crianças iraquianas em virtude dos embargos, Albright foi categórica ao afirmar que todo o esforço norte-americano em arruinar o regime de Saddam vale a pena.

E o filme, com roteiro já gasto para o resto do mundo (mas não para parte da população norte-americana, que reelegeu o Sr. Bush), contrapõe bem e mal. Quem sabe o governo dos EUA tenha recebido a visita de algum anjo, que desferiu uma missão tão complicada para eles: a salvaguarda da paz no planeta. Saddam, enfim, foi deposto. O ódio, porém, não terminou. O Iraque virou um faroeste atualizado em pleno Oriente Médio: uns tiros ali, uns homens-bomba acolá e assim o país esquece o que é rotina, o que é vida.

O mundo vai caminhando para corroborar a máxima de que o homem é guerreiro por natureza. Eis que a nossa Coréia do Norte, perdida em uma pequena península ao norte da China, quer os holofotes sobre si. Mas será um inimigo do mesmo porte que Irã, que realmente conta com ingredientes mais explosivos: armas, religião e petróleo?

Um grande jornalista e amigo me disse que a Coréia do Norte atua como o bobo-da-corte nesta enésima reedição do filme bem contra o mal. O país não tem condição de ter uma economia digna do nome e ainda bravata que possui arsenal nuclear. Deve ter um programinha de armas bem simples, nada que estoure alguns quarteirões. Mas cai como uma luva esse anúncio de terror. O presidente Bush e toda sua cúpula não esperavam um presente melhor: um inimigo que não morde, mas que late muito. Esse alarido todo vai dar respaldo às bases dos EUA no Japão e na Coréia do Sul, que vinham recebendo pressão para se mandar dali. Mais uma vez, o script encontra sobrevida. Até quando, não tenho prognóstico no momento.

Em 1995, a American Psychiatric Association publicou um informe que versava sobre as características comuns a todos os criminosos. O traço mais típico neles é a inclinação para a mentira. E, cinqüenta anos antes, uma mesma plêiade de psiquiatras diagnosticou que os delinqüentes eram incapazes de aprender com as próprias experiências. Em um grau maior, os EUA serão um bando de desordeiros? O presidente Bush confunde sua origem texana – o legendário cowboy – com a incapacidade de tirar alguma lição dos próprios enganos?

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Carta ao presidente Lula

Caro Sr. Presidente da República Federativa do Brasil.
Venho por meio desta comunicação manifestar meu total apoio ao seu esforço de modernização do nosso país. Como cidadão comum, não tenho muito mais a oferecer além do meu trabalho, mas já que o tema da moda é Reforma Tributária, percebi que posso definitivamente contribuir mais. Vou explicar: na atual legislação, pago na fonte 27,5% do meu salário. Como pode ver, sou um brasileiro afortunado. Sou obrigado a concordar que é pouco dinheiro para o governo fazer tudo aquilo que promete ao cidadão em tempo de campanha eleitoral. Mesmo juntando ao valor pago por dezenas de milhões de assalariados! Minha sugestão, é invertermos os percentuais.
A partir do próximo mês autorizo o Governo a ficar com 72,5% do meu salário. Portanto, eu receberia mensalmente apenas 27,5% do resultado do meu trabalho mensal. Funcionaria assim: Eu fico com 27,5% limpinhos, sem qualquer ônus.

O Governo fica com 72,5% e leva as contas de:
Escola,
Convênio médico,
Despesas com dentista,
Remédios,
Materiais escolares,
Condomínio,
Água,
Luz,
Telefone,
Energia,
Supermercado,
Gasolina,
Vestuário,
Lazer,
Pedágios,
Cultura,
CPMF,
IPVA,
IPTU,
ISS,
ICMS,
IPI,
PIS,
COFINS,
Segurança,
Previdência privada e qualquer taxa extra que por ventura seja repentinamente criada por qualquer dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Um abraço Sr. Presidente e muito boa sorte, do fundo do meu coração!
Ass: Um trabalhador que já não mais sabe o que fazer para conseguir sobreviver com dignidade.
PS: Podemos até negociar o percentual !!!

Agora, vejam só a farra do Congresso Nacional :
Salário:.........................................R$ 12 mil
Auxílio-moradia............................R$ 3mil;
Verba para despesas "comprovadas..........R$ 7 mil;
Verba para assessores.............................R$ 3,8mil;
Para 'trabalharem' no recesso...................R$ 25,4mil;
Verba de gabinete mensal........................R$ 35mil;
Transporte: Passagens aéreas de ida e volta a Brasília/mês;
Direito a "contratar" 20 servidores para seu gabinete;
13º e 14º salários, no fim e no início de cada ano legislativo; e
90 dias de férias anuais e folga remunerada de 30 dias.
ISSO PARA CADA UM DOS 514 DEPUTADOS !!!!
Esse dinheiro sai dos cofres públicos, ou seja, do nosso bolso !!!
Mostre sua indignação e envie este texto a todos os seus amigos e conhecidos para que protestem junto aos deputados federais e senadores.
E querem que você doe um pouquinho para o "Fome Zero".
TENHA SANTA PACIÊNCIA! ! ! !