GilmarJunior

Textos de minha vida.

segunda-feira, julho 03, 2006

O que é Brasil? 3 de julho de 2006

Brasil venceu Gana, mas perdeu para a França. A seleção engana. Uma correição de milhões enche os olhos de quem se dispõe a calcular o valor de heróis de meia pataca. Eles falharam, mas permanecem vivendo como nababos. O Ronalducho, o atacante mais rechonchudo que eu já vi, deve estar dirimindo as mágoas com batatas-fritas, sanduíches e uma Coca-Cola. Tudo oriundo de qualquer MC Donald's de Madri, a belíssima capital espanhola.

O futebol tem a mística de ser a versão pós-moderna do circo romano na sociedade brasileira. Se as chuteiras vão bem, o país é promissor e o patriotismo assume proporções até prosaicas. Quantos táxis não estão pintados de verde e amarelo, numa alusão ao favoritismo brasileiro na Copa? Até as árvores são violentadas com tintas da nossa bandeira.

Tão frágil, no entanto, é essa política. O pão e circo funcionou em Roma. No Brasil, restou apenas o circo. O pão, o leite, a carne e outros produtos de subsistência oneram o combalido salário do cidadão. Mesmo que o presidente Lula tenha dito que com R$ 350 dá para comer picanha. Até é possível. Mas vivendo debaixo da ponte.

O Brasil agora precisa ter gana de mudar. Craques semi-analfabetos não merecem odes perenes, enquanto pesquisadores sofrem para levar suas pesquisas adiante. A multidão tem de sair às ruas se Lula vetar os 16% de aumento aos pensionistas que ganham mais de um salário-mínimo. O ex-metalúrgico e hoje usuário assíduo de ternos Armani pensa em socializar a pobreza. Nos outros, é claro.

Fico imaginando se houvesse a gana nos brasileiros durante todo o ano. Invejo os argentinos nesse aspecto: num país que estava à beira da convulsão econômica, milhares de civis lotaram as ruas de Buenos Aires e rumaram para a Casa Rosada, exigindo medidas concretas que minorassem a crise. Lá, o governo mudou e parece que tudo está mais calmo. Hoje, a Argentina já ostenta o maior consumo per capita da América do Sul. Recuperação exemplar.

Invejo também o presidente boliviano, Evo Moralez. A sanha nacionalista arde nos olhos de quem está no lado das multinacionais. E o imperialismo em miniatura do Brasil na América do Sul sofreu um golpe mordaz. Evo deu prazo e vinha dizendo, desde a campanha, que nacionalizaria o principal produto de barganha da Bolívia: os recursos minerais, em especial o gás.

E ainda tem brasileiro que chora a desclassificação na Copa. Uma Seleção cuja marca é o individualismo não merece amor tampouco piedade. Não torço pelos abastados craques, mas engrosso as fileiras que endossam as vaias. Um lateral capenga, senil e lento - leia-se Cafu - aparecia diante das câmeras lembrando a todos que ele é o recordista de partidas pela seleção. Um atacante lento, fofo e com aspirações de líder - ou seja, Ronaldo - quis superar a marca de 14 gols, para ocupar a vaga de artilheiro das Copas. E onde fica o sentimento de ofertar um pouco de alegria a bocas desdentadas e bolsos furados. Até o circo, nesse grande Brasil, está com os dias contados.

Dá para aproveitar o momento de tristeza e chorar por muitas mazelas. Não se preocupem, cidadãos brasileiros, somos hexacampeões em desigualdade social e em pouca vergonha. Quantos dribles muitos brasileiros não dão nos impostos? Sabe-se que a carga tributária aqui beira níveis semelhantes aos países nórdicos. Contudo, lá esse dinheiro pulula em educação, saúde e segurança gratuitos e de qualidade exemplar. Aqui, o furor em arrecadar serve para comprar aviões caros, com hidromassagem a bordo. Mas furtar-se a pagar o que se deve, depois apontar, com dedo em riste, para a classe política e aviltá-la com léxicos nada gentis não é a medida mais correta de um povo que quer ser grande. Isso sim é meu sonho: que o Brasil seja grande e não apenas um pedaço de pano que persegue absurdamente uma sexta estrela.