GilmarJunior

Textos de minha vida.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

O legado de 2005, por Gilmar Luís Silva Júnior, em 4 de janeiro de 2006.

“O senhor não teria algumas flores?”, perguntou o Duque de Windsor ao pintor Cândido Portinari, durante visita à mostra do brasileiro em Paris, pelos idos de 1946. “Flores, não; só miséria”, disparou Portinari. O Brasil encontra nos artistas o verdadeiro espaço para a explanação de sua hirta rotina. Um ano termina e votos de felicidades e de bom agouro são dispersos pelas bocas de milhões de pessoas. Mas todos esses desejos esmorecem e tornam-se podres quando provêm da boca de políticos.

Mal o ano se despedia em forma de folguedos e de melhores dias, o governo Lula tratou de sinalizar que 2006 será o ano dos golpes e das baixarias. A operação “Tapa-buraco”, trazida à tona pela ministra Dilma Rousseff, não consegue embotar a sensação de “golpe eleitoreiro”. Lula prometeu que 26.000 quilômetros de estradas – federais ou não – serão recuperados. Nada mais falso ou mais ridículo. Essa medida já cometeu gafes no próprio nome: tapar buracos não será o suficiente para modernizar o caquético sistema de transporte brasileiro. A primeira enxurrada deixa à mostra as marcas do abandono e do descaso da administração petista, que tinha olhos somente para o superávit primário e para a ocultação de práticas de corrupção.

Parece que o chamado das urnas acordou o governo Lula da letargia que o acometia nesses três anos. Nada mais incômodo que um presidente dizer, em rede nacional, que seus ministros podem gastar à vontade, justo no último ano de mandato. Isso soa polido e bondoso para boa parcela da população, distante da educação e de fontes de informação. Contudo, ecoa como piada de mau gosto para a classe média que sofreu um doloroso aperto de cintos desde o início do governo de um partido que se dizia próximo ao trabalhador.

Lula e sua trupe trataram de acordar após incisivos recados emitidos por pesquisas de intenção de voto e por avaliações do governo. Pesquisa da Datafolha de dezembro de 2005 já mostrava uma larga vantagem do candidato José Serra sobre o ex-metalúrgico e atual playboy da política nacional. Análise feita pela Escola de Administração da UFRGS mediu a avaliação dos gaúchos para o governo federal. E a turma do PT e aliados não seria aprovada: ganhou 4,3 numa escala de 0 a 10. No quesito emprego, a nota foi mais ínfima: 3,3. Dói ver um Estado que fora o reduto do PT deixar as mágoas e as dores aflorarem dessa forma. A traição ainda machuca e as cicatrizes demoram a sarar.

Talvez por esses parcos índices, Lula tenha destinado R$ 115 milhões para as estradas gaúchas. Isso, no entanto, não é suficiente. Enigmas pendentes do ano passado encontram-se sem solução.
Para piorar, os engodos ainda não resolvidos podem ser varridos para debaixo do tapete do ostracismo sem meias palavras. A prática de pagamentos de mesadas a parlamentares – o afamado Mensalão – não é lenda ou coisa do folclore de Brasília, como proferem as direções do PT. É um atentado à inteligência virar o rosto para saques e depósitos polpudos, emitidos sob o crivo de um publicitário mineiro catapultado ao estrelato. É sorumbático pressentir que o “jeitinho brasileiro” – de tirar vantagem em tudo – realmente existe e campeia por esse imenso país. Desde o roubo do troco de um pão até a bonança salarial de parlamentares que – coitados! – têm de trabalhar durante os meses de verão, o sentimento de que o Brasil vai mal incomoda a alguns.

Nada poderia ser mais emblemático do que a figura do presidente. Lula, que teima em parecer amigo do povo, tornou-se um patrício ávido, rechonchudo e mentiroso. A única coisa que ainda carrega de simples são os discursos simplórios e permeados de transgressões à gramática. Pois o nosso operário que deu certo jamais se preocupou em estudar ou em entender o funcionamento da sociedade brasileira hipócrita. Hipócrita sim, já que clama por justiça e se esquece das contas para pagar e fica, sem cerimônia, em débito por gosto. A sociedade brasileira está doente: quer ser algo que não pode. Quantas vezes a televisão mostrou pessoas indignadas com as filas de vários metros nos hospitais. Não obstante, em outros momentos viam-se pessoas humildes passando horas a fio, sob intempéries, para conseguir vaga no sambódromo ou para uma partida de futebol decisiva. E sem reclamar, com um orgulho que pendia dos olhos outrora cansados.

Lula existe porque o Brasil foi conivente. FHC existiu pelo mesmo motivo. Collor chegou ao topo graças ao desejo néscio do brasileiro, de ter alguém para salvar o país das doenças e mazelas sociais. O brasileiro vota, senta-se numa poltrona durante quatro anos e quer que tudo se resolva. Brasileiro é cidadão apenas um dia por ano: ou durante uma final de futebol, ou durante as eleições. Nos outros dias, o brasileiro, em média, é corrupto, realizando as mesmas peripécias abjetas que seus representantes no Planalto, em menor grau, é claro.

Para que os vícios políticos e as parábolas do PT sumam (assim como de outros partidos), é necessário mudar as prioridades. Para 2006, meus caros cidadãos, a prioridade é esta: ter uma vida limpa. A começar dentro de casa.