GilmarJunior

Textos de minha vida.

sábado, dezembro 17, 2005

Solidariedade é pedir muito? – por Gilmar Júnior, em 14 de dezembro de 2005

O governador gaúcho, Germano Rigotto, foi a público hoje pedir solidariedade. Enfim, Rigotto reservou seu discurso de socorro para setores detentores de bons salários e que ainda exigiam reajuste: os magistrados. O contribuinte do RS, dessa vez, foi poupado, já que o Estado mais meridional do Brasil ostenta o mais alto ICMS (29%) sobre combustíveis, telefonia e outros produtos. Para agravar o quadro, a estagnação monetária do RS inviabiliza políticas de investimento, o que explica, em parte, a saída de 40 fábricas do setor calçadista para pagos muito distantes. A outra parcela de culpa do fenecimento do setor secundário gaúcho está nas mãos da lancinante política econômica do governo Lula, que fixa juros altos em prol de um superávit primário para agradar aos olhos do FMI e seus congêneres.

Rigotto pediu, em alto e bom tom, que o Poder Judiciário gaúcho abra mão da petição de reajuste de mais de 12% que os senhores magistrados requerem. Se tal abuso fosse sancionado, os cofres combalidos do RS sangrariam em mais R$ 7 milhões mensais. O Judiciário abocanha, por mês, R$ 60 milhões. Não é pouca a sangria, tendo em vista as verbas destinadas a setores primordiais para o desenvolvimento sustentável de qualquer gestão, como a saúde e a educação. O que os magistrados têm a dizer sobre sua tentativa de aumento salarial, diante da massa salarial brasileira que vê os rendimentos caírem para patamares abaixo de R$ 800, conforme pesquisa da Fundação Getúlio Vargas para o último trimestre do ano?

O governador gaúcho lançou mão da palavra “solidariedade” num momento crítico. O sindicato dos professores estaduais já acenou, na semana passada, que reclama um reajuste idêntico. Do contrário, no raiar de 2006 o RS será surpreendido por mais uma greve. Setores do Poder Judiciário falam em salários defasados e em excesso de trabalho. Faço-lhes ver que não são os únicos a terem tais problemas. O próprio magistério concorre em carga horária exorbitante e em rendimentos cada vez mais minguados. Resta saber quais prerrogativas os senhores magistrados possuem para solicitar tamanha extravagância, acima dos outros trabalhadores brasileiros.

Insisto que é uma extravagância esse reajuste de 12% para um poder considerado lento e pervertido. Um exemplo que ainda não arrefeceu na opinião pública nacional foram as tentativas do Supremo Tribunal Federal (STF) de, ao menos, protelar a cassação do ex-deputado (graças a Deus) José Dirceu. Os votos dos ministros do STF foram um solene afago ao governo federal. Muitos dos que ocupam as cadeiras do STF, com polpudos salários, são indicados pelo presidente Lula. É a antiga e inquietante política do “toma lá, dá cá”.

Solidariedade, palavra sendo posta à prova. Seu significado de apelo e de cidadania será testado no desenrolar do embate governo estadual versus Poder Judiciário do RS. E outro léxico igualmente terá seu significado apreciado: a palavra justiça. Em tempos de avalanche de corrupção em Brasília, ser justo tornou-se obsoleto ou até personagem de folclore. Mas ser justo, justamente no poder que deveria zelar pelas leis, não é qualidade de uns e outros. É obrigação.

domingo, dezembro 04, 2005

A vitória da baderna sem-vergonha, por Gilmar Júnior, em 4 de dezembro de 2005

Pouco depois das 18h, o Corinthians foi consagrado como campeão brasileiro de 2005, mesmo perdendo por 3 a 2 para o Goiás. Um Brasileirão polêmico, marcado por anulação de 11 jogos, nos quais se suspeitava a prática de aposta de resultados. Ilusão ou não, o time paulista do Parque São Jorge reverteu derrotas em pontos e sagrou-se campeão. Além disso, para atenuar o clima de crise política que submerge o Brasil, o presidente Lula discursava sobre as chances reais de seu time do coração, o Corinthians, arrebatar o caneco.

Lula e Corinthians possuem muitas semelhanças, principalmente no decorrer de 2005. As trapalhadas do primeiro vieram antes. O deputado e presidente do PTB, Roberto Jefferson, jogou lama no ventilador e fez ruir, sem dó nem piedade, o amálgama que o PT havia arraigado junto à ética. O braço direito de Lula, o ex-ministro José Dirceu, entrou na rota de “bola da vez”. Dirceu, odiado pela oposição e por alguns da base aliada, teve de deixar de lado a pontual arrogância e foi demitido do comando da Casa Civil. Lula tratou de se desvincular a ele e aos outros acusados de corrupção no PT. Mas se valeu de artifícios, no mínimo, pueris. Primeiro, o presidente disse que havia sido traído, sem, no entanto, mencionar quem seriam os Judas. Em seguida, Lula apelou para a política do ingênuo: nada viu, nada sabia e nada assinou. Tornou-se assim uma espécie de “ilha” em Brasília. E deixou uma dúvida pairando: de onde emana o Poder Executivo mesmo?

O Corinthians começou o Campeonato Brasileiro deste ano irrigado com vultosas somas despejadas pela empresa russa MSI. Montou um time de nomes famosos. A contratação de Carlitos Tévez, do clube argentino Boca Juniors, entrou para a história no Brasil. Contudo, nem tudo que reluz é ouro. A parceria do time paulista com os russos está sendo investigada pelo Ministério Público desde maio, quando os promotores de Justiça de São Paulo, José Reinaldo Guimarães Carneiro e Roberto Porto, lançaram a suspeita de crime de lavagem de dinheiro. O MP garante que existem indícios suficientes para provar o crime contra a ordem econômica nacional. Segundo ele, o dinheiro investido no Brasil viria de Boris Berezovski, um russo procurado por crimes contra o sistema financeiro de seu país, além de formação de quadrilha e apoio ao terrorismo. A lista dos delitos de Boris é longa, quase uma analogia aos milhões aplicados no Corinthians.

Diante de tantos fatos escabrosos, o Brasil não pára e vai tocando a vida política e o Campeonato Brasileiro. As semelhanças entre governo federal e o futebol são muito estreitas. O governo federal apregoa que nada foi provado acerca de esquemas de corrupção tão comuns no Planalto e em outros pagos. Lula nega os delitos, mesmo com a presença incômoda dos comprovantes de saques exorbitantes do Banco Rural de Belo Horizonte (MG), da prisão do publicitário Marcos Valério e da expulsão do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Já o Corinthians nega também que tenha sido beneficiado com a anulação de 11 jogos pelo STJD (e o canetaço de Luís Zveiter). No jogo do time paulista contra o Internacional, no Pacaembu, o técnico corintiano discorda do pênalti escandaloso sobre o colorado Tinga. O árbitro Márcio Resende de Freitas pediu desculpas pela gafe e ainda usou como escusa o fato de o Pacaembu estar amaldiçoado para ele. Virou moda usar fenômenos do além para explicar roubos e imbecilidades. Lula chama a oposição de “urucubaca”. O árbitro conta que há algum sapo enterrado no Pacaembu, dada a freqüência de erros dele no estádio.

O presidente e o Corinthians estão próximos em outro quesito: o da popularidade. Lula, mesmo fumando caros charutos cubanos, quer ter uma imagem associada ao povo, ao popular. O Corinthians é o time da massa no Estado de São Paulo. Assim, Lula e o clube do Parque São Jorge seriam democráticos. Leso engano. Ambos são frutos de um engodo burguês. Filhos de uma balela cultural. Mesmo vexados com denúncias de corrupção, nem Lula nem Corinthians podem ser punidos. O circo não pode parar, pois há o risco de uma implosão social. A celeuma convergiria para o estado de coisas no Brasil: um governo quase democrático, um campeonato quase de verdade. Imagina a convulsão popular que haveria se Lula caísse e/ou se o Campeonato Brasileiro fosse anulado?

Deixemos que o bolo seja repartido, entre os ricos, é claro. Aos pobres, resta a velha e ditosa política do pão e circo: o Corinthians venceu, o povão ficou feliz e Lula aparece na TV comemorando o título, acompanhado de cervejas e de folguedos. As investigações do MP continuam, mas sem os auspícios da grande imprensa. As inquirições sobre os crimes dos políticos brasileiros também patinam num mar de inércia. Nada mudou na Antiga Roma mesmo.

sábado, dezembro 03, 2005

Os absurdos gloriosos, por Gilmar Júnior, em 30 de novembro de 2005

O dia 30 de novembro de 2005 foi o momento em que o absurdo chegou ao clímax. Duas notícias veiculadas pelos telejornais das emissoras Bandeirantes e Globo deixaram-me boquiaberto. A sucessão de embaraços perpetrada pelos políticos brasileiros faz do Brasil uma analogia da Terra do Nunca. Nunca haverá punição exemplar para os quase cassáveis, pois os membros do STF (Supremo Tribunal Federal) são compadres do presidente Lula. Nunca haverá uma comprovação de corrupção que seja válida para acusados e acusadores. A súcia em Brasília vive em um plano etéreo, de números forjados por estatísticas federais que sustentam um crescimento apenas aparente.

Na semana passada, a forca andou rondando a cabeça do ministro da Fazenda, Antônio Palocci. O companheiro Luiz Inácio Lula da Silva, em momento são (ou não, nunca se sabe se o presidente ingeriu alguma “branquinha”), aviltou a inteligência nacional ao afirmar que “o Brasil deve muito a Palocci”. É notório que o brasileiro deva algo a Palocci, como a alta taxa de juros, o arrocho salarial e a queda no poder de compra. Hoje se compra menos com os mesmos reais de outrora. Palocci, no entanto, compareceu às CPIs e agradou a gregos e troianos com sua fala mansa e pausada. Não parecia realmente um membro de alguma quadrilha.

A vingança tarda, mas não falha. No fatídico dia 30 de novembro de 2005, vem à tona a queda de 1,2% no PIB no último trimestre do ano. A propalada política econômica – que faz o FMI sorrir de orelha à orelha – dá sinais de falta de fôlego no seu trigésimo mês de vigência. O combalido trabalhador brasileiro começa a dar sinais de fadiga. Palocci, já ciente dos resultados alguns dias antes, tentou persuadir o País com seu jeito ponderado. Contudo, a serenidade do ministro não surtiu o efeito desejado. O vice-presidente e pujante empresário, José Alencar, foi aos céus com o tropeço da economia. Ávido, atacou a manutenção da alta taxa de juros.

O segundo disparate do dia veio de uma manifestação em apoio a José Dirceu, o ex-ministro da Casa Civil, ex-pedante político e atual deputado cassado. Numa das faixas de alguns militantes petistas, lia-se: “José Dirceu, guerreiro do povo brasileiro”. O ex-guerrilheiro e mentor do cerceamento das críticas ao governo federal atualmente não vive como um militante de esquerda (ou como um militante de esquerda deveria viver). Dirceu se acomoda num luxuoso condomínio fechado, próximo à Grande São Paulo, avaliado em seis dígitos (à esquerda da vírgula, mera coincidência). O jornal da rede Bandeirantes focalizou a faixa por demorados três segundos. Nesse caso, a imagem vale mil palavras (milhões, no caso de Dirceu). Os desígnios do ex-líder estudantil pareciam magníficos e acima de quaisquer equívocos: reeleger Lula em 2006, tornando-se presidente em 2010 e, com dinheiro embolsado nas falcatruas do Valério-duto, implantar a ditadura do proletariado no Brasil. Mas agora os planos naufragaram: Dirceu só poderá retornar aos pleitos em 2016, quando tiver 70 anos.

A Terra do Nunca se desnuda. Lugar onde pululam heróis de meia tigela. Palocci, Dirceu, Lula, Roberto Jefferson, FHC, José Sarney, Costa e Silva, etc, todos heróis semelhantes ao personagem Leonardo, da obra Memórias de um sargento de milícias. O livro de Manuel Antônio de Almeida, escrito no biênio 1854-1855, reflete a nossa atual conjuntura política. Nossos heróis são picarescos e visam, infelizmente, apenas ao próprio umbigo. Ou ao próprio pescoço, em situações mais delicadas.