GilmarJunior

Textos de minha vida.

sábado, dezembro 03, 2005

Os absurdos gloriosos, por Gilmar Júnior, em 30 de novembro de 2005

O dia 30 de novembro de 2005 foi o momento em que o absurdo chegou ao clímax. Duas notícias veiculadas pelos telejornais das emissoras Bandeirantes e Globo deixaram-me boquiaberto. A sucessão de embaraços perpetrada pelos políticos brasileiros faz do Brasil uma analogia da Terra do Nunca. Nunca haverá punição exemplar para os quase cassáveis, pois os membros do STF (Supremo Tribunal Federal) são compadres do presidente Lula. Nunca haverá uma comprovação de corrupção que seja válida para acusados e acusadores. A súcia em Brasília vive em um plano etéreo, de números forjados por estatísticas federais que sustentam um crescimento apenas aparente.

Na semana passada, a forca andou rondando a cabeça do ministro da Fazenda, Antônio Palocci. O companheiro Luiz Inácio Lula da Silva, em momento são (ou não, nunca se sabe se o presidente ingeriu alguma “branquinha”), aviltou a inteligência nacional ao afirmar que “o Brasil deve muito a Palocci”. É notório que o brasileiro deva algo a Palocci, como a alta taxa de juros, o arrocho salarial e a queda no poder de compra. Hoje se compra menos com os mesmos reais de outrora. Palocci, no entanto, compareceu às CPIs e agradou a gregos e troianos com sua fala mansa e pausada. Não parecia realmente um membro de alguma quadrilha.

A vingança tarda, mas não falha. No fatídico dia 30 de novembro de 2005, vem à tona a queda de 1,2% no PIB no último trimestre do ano. A propalada política econômica – que faz o FMI sorrir de orelha à orelha – dá sinais de falta de fôlego no seu trigésimo mês de vigência. O combalido trabalhador brasileiro começa a dar sinais de fadiga. Palocci, já ciente dos resultados alguns dias antes, tentou persuadir o País com seu jeito ponderado. Contudo, a serenidade do ministro não surtiu o efeito desejado. O vice-presidente e pujante empresário, José Alencar, foi aos céus com o tropeço da economia. Ávido, atacou a manutenção da alta taxa de juros.

O segundo disparate do dia veio de uma manifestação em apoio a José Dirceu, o ex-ministro da Casa Civil, ex-pedante político e atual deputado cassado. Numa das faixas de alguns militantes petistas, lia-se: “José Dirceu, guerreiro do povo brasileiro”. O ex-guerrilheiro e mentor do cerceamento das críticas ao governo federal atualmente não vive como um militante de esquerda (ou como um militante de esquerda deveria viver). Dirceu se acomoda num luxuoso condomínio fechado, próximo à Grande São Paulo, avaliado em seis dígitos (à esquerda da vírgula, mera coincidência). O jornal da rede Bandeirantes focalizou a faixa por demorados três segundos. Nesse caso, a imagem vale mil palavras (milhões, no caso de Dirceu). Os desígnios do ex-líder estudantil pareciam magníficos e acima de quaisquer equívocos: reeleger Lula em 2006, tornando-se presidente em 2010 e, com dinheiro embolsado nas falcatruas do Valério-duto, implantar a ditadura do proletariado no Brasil. Mas agora os planos naufragaram: Dirceu só poderá retornar aos pleitos em 2016, quando tiver 70 anos.

A Terra do Nunca se desnuda. Lugar onde pululam heróis de meia tigela. Palocci, Dirceu, Lula, Roberto Jefferson, FHC, José Sarney, Costa e Silva, etc, todos heróis semelhantes ao personagem Leonardo, da obra Memórias de um sargento de milícias. O livro de Manuel Antônio de Almeida, escrito no biênio 1854-1855, reflete a nossa atual conjuntura política. Nossos heróis são picarescos e visam, infelizmente, apenas ao próprio umbigo. Ou ao próprio pescoço, em situações mais delicadas.