GilmarJunior

Textos de minha vida.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Útero seco

A presidente do STF, Ellen Gracie, não tem útero. É o que supus diante da declaração frígida da autoridade. Questionada sobre a necessidade de mudança nas leis penais brasileiras – que conta com a vergonhosa progressão de regime, a qual pode restringir em 1/6 o período de prisão para um apenado – ela não alterou o tom de voz. Do alto de seu terno amarelo, de cabelos meticulosamente penteados, ela deu de ombros e disparou: “Não se pode alterar os dispositivos legais por causa de emoção”. Ellen se referia ao crime ocorrido no Rio, no qual uma criança de 6 anos, João Hélio Fernandes, fora arrastada e morta por bandidos.

A fleuma de Ellen fez-me perscrutar o íntimo dela. Suas ações, ainda que céleres pelo diminuto tempo de exposição defronte às câmeras, incutiram-me náusea. Num átimo, eu a vi desterrada de útero, física e espiritualmente. Uma mulher sem amor, sem paixão, sem rictos de emoção. Aquele rosto fleumático fundia-se a uma voz metálica, monótona. Ellen espera que a opinião pública amaine e, como de praxe no Brasil, tal crime caía no esquecimento. Ela supõe que haverá o retorno da normalidade. Engana-se. Não a culpo por tal ato falho. Ellen apascenta as vistas com alamedas imaculadas e fortemente vigiadas. Crimes para ela fazem parte do gênio inventivo de escritores. Crimes hediondos, essa categoria arranca de Ellen interjeições de espanto, não pela crueldade em que as vidas são ceifadas, mas pelos estratagemas de tais tramas.

O deputado Fernando Gabeira foi taxativo: “A cada semana, o país assiste a um crime hediondo”. Ellen não ouviu. Quiçá não ouça outros apelos. Um coração seco é como areia de um deserto. Jamais uma gramínea vai subsistir num ambiente desfavorável. Nunca um apelo de mãe vai retumbar num espírito que não aprendeu a amar. Os crimes que desfilham mães se finam nas alcovas dos palácios de justiça. Um choro plangente, para Ellen e outros magistrados, torna-se matéria-prima para vingança. Vingar-se: ação mais abjeta que a morte bárbara de cidadãos, na acepção da justiça nacional. Ranger os dentes diante da própria impotência redunda em censura pública das vítimas. A modorra da justiça entorpece a confiança nas instituições de poder. E faz-me crer que esses instrumentos servem apenas para coagir. E nunca para defender.

Não se poderá mensurar a dor da criança arrastada. Tampouco é possível fazer algo análogo aos pais que permanecem. Até a natureza parece quedar-se por tanto sofrimento. Para os pais, o vento torna-se mais vagaroso, as folhas das árvores ficaram-lhes ásperas. A sepultura do filho que se fora é pequena demais para tantas inscrições de saudades. Os meses que se seguem não farão apenas a relva impedir que se entreleia na lápide o nome da criança e seu curto hiato de existência. O tempo passadio há de erodir a indignação de muita gente. O que, infelizmente, contribui para que Ellen Gracie tenha razão.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Posse da nova Assembléia gaúcha















































31 de janeiro de 2007. Lá fora, 35 graus. Nos corredores da Assembléia Legislativa, no centro de Porto Alegre, os potentes aparelhos de ar-condicionado deixam o ambiente na medida para o desfile de ternos escuros. No início, todos os novos deputados estavam empertigados; no entanto, os cumprimentos efusivos entre colegas e a militância amarrotaram os caríssimos pedaços de tecido cortados a fio.
O novo presidente da AL, o deputado Frederico Antunes (PP), era só sorrisos. Trouxe a família em peso e, com o filho no colo, atendia a inúmeras câmeras - de fotografia e de TV, indistintamente. Aliados tradicionais - como o atual secretário da Agricultura, Celso Bernardi - foram os primeiros a dar sinceros amplexos ao jovem político. Os petistas dissimulavam o fel de sair da presidência do Legislativo gaúcho, ainda que o deputado Fabiano Pereira soubesse que o cargo dado a ele era apenas um tampão.
A sala da presidência da AL já estava insalubre para acomodar políticos, jornalistas e papagaios de pirata. Para piorar a situação, a governadora Yeda Crusius chegou e a tênue organização do local ruiu de vez. Yeda entregou para os dois mais assediados deputados - Fabiano Pereira e Frederico Antunes - um documento no qual estavam os pressupostos de uma vigência mais tranqüila entre Executivo e Legislativo. O novo presidente da AL não perdeu tempo e alçou a palavra "diálogo" em seu prematuro discurso.
Durante 10 minutos, Yeda e os dois deputados riram e atenderam a militantes mais exasperados. Em seguida, dirigiram-se para o plenário, a fim de iniciarem a solenidade de posse dos novos parlamentares do RS. 55 deputados se revezaram no juramento, que, de tão repetitivo, até nos faz esquecer o miasma que a política vem ofertando ao povo.

Crédito do texto e das fotos: Gilmar Luís.