GilmarJunior

Textos de minha vida.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Elas também lêem – Gilmar Luís – 18 de outubro de 2006

Um par de botas brancas sufocava os joelhos. De quando em vez, o pé direito se prostrava diante do esquerdo. As coxas amorenadas, com círculos arroxeados dispersos, eram-lhe o chamariz. A cabeça baixa lia o Diário Gaúcho, o mais barato pasquim em circulação por aqueles dias.

Clientes em potencial passavam ao largo. Ela não os olhava. Nem tampouco dizia, num português simplório: “Vamu?”. As amigas de faina andavam em espaços pequenos, com longas passadelas, cabelos em revolução. Puxavam os homens passadiços sem critério de escolha. Bastava usar sapatos.

Um senhor de meia idade vinha sôfrego. Parecia sofrer de asma. Andava dois metros, recostava-se a uma parede, tirou um cigarro. E fumou. Tossiu a cada tragada. Olhou em volta, os casarões pintados de rosa, de azul e de verde. As cores de todos eles estavam desbotadas. Assim como os critérios de nossas cortesãs modernas.

Uma loira sem os molares jogou uma franja espessa e seca diante dos olhos. O artifício sempre funcionava. O velho passou adiante. Continuou a tossir. Ela emburrou. Não pelo desprezo, mas por vinte reais que cambaleavam num bolso asmático.

O velho se deteve na meretriz do jornal. As botas eram compridas como as outras. As pernas marcadas de bituca de cigarro. O batom vermelho dos lábios era uma flor com pétalas descaídas e decadentes. Num átimo, meteu-lhe a mão no traseiro rombudo.

Ela levantou os olhos do jornal. Ele sorriu, descortinou dentes de gema de ovo. Ela dobrou o jornal, pô-lo debaixo do sovaco, sorriu. Pegou a mão do velhote. Subiram uma escada suja, com tocos de cigarro e embalagens de preservativos. Uma tênue lâmpada teima em se balançar no corredor. Tudo era silêncio entrecortado por risadas e sussurros. As portas dos quartos pareciam furadas à bala.

Trancou a porta com um solavanco. O velho atirou-se na cama, um colchão que jorrou pó. Abriu a calça, um membro flácido foi posto à mostra pelas mãos enrugadas. Com a mão direita, chamava a heroína.

Ela jogou o jornal atrás de si. As folhas do periódico caíam-lhe nas costas em lentidão. Ela baixou a pequena saia e mostrou pêlos pubianos delicadamente aparados. Com isso, fez chispas saírem dos olhos do velho. O membro dele, no entanto, não emitia sinal.

O velho a agarrou. Ela sorriu, fechou ou olhos. Ele pôs a mão esquerda sobre a cabeça. Ela ia se aconchegando no peito dele, quando a mão senil lhe forçava para baixo. O velho almejava uma felação.

Ela deixou-se levar pela mão em petição. Suspendeu a respiração ofegante. Queria carinho. Ganhou vulgaridade. Antes de abocanhar o membro flácido, olhou para trás. Viu as páginas do jornal em desalinho. A manchete “Incêndio mata crianças em Uruguaiana” deu-lhe ímpeto. Sorveu o pênis do velho. Com os olhos fechados. E com tristeza infinita no coração. Pobres crianças, jamais mereceriam um destino tão cruel.