GilmarJunior

Textos de minha vida.

domingo, dezembro 04, 2005

A vitória da baderna sem-vergonha, por Gilmar Júnior, em 4 de dezembro de 2005

Pouco depois das 18h, o Corinthians foi consagrado como campeão brasileiro de 2005, mesmo perdendo por 3 a 2 para o Goiás. Um Brasileirão polêmico, marcado por anulação de 11 jogos, nos quais se suspeitava a prática de aposta de resultados. Ilusão ou não, o time paulista do Parque São Jorge reverteu derrotas em pontos e sagrou-se campeão. Além disso, para atenuar o clima de crise política que submerge o Brasil, o presidente Lula discursava sobre as chances reais de seu time do coração, o Corinthians, arrebatar o caneco.

Lula e Corinthians possuem muitas semelhanças, principalmente no decorrer de 2005. As trapalhadas do primeiro vieram antes. O deputado e presidente do PTB, Roberto Jefferson, jogou lama no ventilador e fez ruir, sem dó nem piedade, o amálgama que o PT havia arraigado junto à ética. O braço direito de Lula, o ex-ministro José Dirceu, entrou na rota de “bola da vez”. Dirceu, odiado pela oposição e por alguns da base aliada, teve de deixar de lado a pontual arrogância e foi demitido do comando da Casa Civil. Lula tratou de se desvincular a ele e aos outros acusados de corrupção no PT. Mas se valeu de artifícios, no mínimo, pueris. Primeiro, o presidente disse que havia sido traído, sem, no entanto, mencionar quem seriam os Judas. Em seguida, Lula apelou para a política do ingênuo: nada viu, nada sabia e nada assinou. Tornou-se assim uma espécie de “ilha” em Brasília. E deixou uma dúvida pairando: de onde emana o Poder Executivo mesmo?

O Corinthians começou o Campeonato Brasileiro deste ano irrigado com vultosas somas despejadas pela empresa russa MSI. Montou um time de nomes famosos. A contratação de Carlitos Tévez, do clube argentino Boca Juniors, entrou para a história no Brasil. Contudo, nem tudo que reluz é ouro. A parceria do time paulista com os russos está sendo investigada pelo Ministério Público desde maio, quando os promotores de Justiça de São Paulo, José Reinaldo Guimarães Carneiro e Roberto Porto, lançaram a suspeita de crime de lavagem de dinheiro. O MP garante que existem indícios suficientes para provar o crime contra a ordem econômica nacional. Segundo ele, o dinheiro investido no Brasil viria de Boris Berezovski, um russo procurado por crimes contra o sistema financeiro de seu país, além de formação de quadrilha e apoio ao terrorismo. A lista dos delitos de Boris é longa, quase uma analogia aos milhões aplicados no Corinthians.

Diante de tantos fatos escabrosos, o Brasil não pára e vai tocando a vida política e o Campeonato Brasileiro. As semelhanças entre governo federal e o futebol são muito estreitas. O governo federal apregoa que nada foi provado acerca de esquemas de corrupção tão comuns no Planalto e em outros pagos. Lula nega os delitos, mesmo com a presença incômoda dos comprovantes de saques exorbitantes do Banco Rural de Belo Horizonte (MG), da prisão do publicitário Marcos Valério e da expulsão do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Já o Corinthians nega também que tenha sido beneficiado com a anulação de 11 jogos pelo STJD (e o canetaço de Luís Zveiter). No jogo do time paulista contra o Internacional, no Pacaembu, o técnico corintiano discorda do pênalti escandaloso sobre o colorado Tinga. O árbitro Márcio Resende de Freitas pediu desculpas pela gafe e ainda usou como escusa o fato de o Pacaembu estar amaldiçoado para ele. Virou moda usar fenômenos do além para explicar roubos e imbecilidades. Lula chama a oposição de “urucubaca”. O árbitro conta que há algum sapo enterrado no Pacaembu, dada a freqüência de erros dele no estádio.

O presidente e o Corinthians estão próximos em outro quesito: o da popularidade. Lula, mesmo fumando caros charutos cubanos, quer ter uma imagem associada ao povo, ao popular. O Corinthians é o time da massa no Estado de São Paulo. Assim, Lula e o clube do Parque São Jorge seriam democráticos. Leso engano. Ambos são frutos de um engodo burguês. Filhos de uma balela cultural. Mesmo vexados com denúncias de corrupção, nem Lula nem Corinthians podem ser punidos. O circo não pode parar, pois há o risco de uma implosão social. A celeuma convergiria para o estado de coisas no Brasil: um governo quase democrático, um campeonato quase de verdade. Imagina a convulsão popular que haveria se Lula caísse e/ou se o Campeonato Brasileiro fosse anulado?

Deixemos que o bolo seja repartido, entre os ricos, é claro. Aos pobres, resta a velha e ditosa política do pão e circo: o Corinthians venceu, o povão ficou feliz e Lula aparece na TV comemorando o título, acompanhado de cervejas e de folguedos. As investigações do MP continuam, mas sem os auspícios da grande imprensa. As inquirições sobre os crimes dos políticos brasileiros também patinam num mar de inércia. Nada mudou na Antiga Roma mesmo.