GilmarJunior

Textos de minha vida.

segunda-feira, abril 26, 2010

Tolstói e o absurdo da guerra

“Tolstói mostra o absurdo da guerra”

ENTREVISTA | Boris Schnaiderman, escritor e e tradutor

Às vésperas de completar 93 anos, o escritor e professor de Literatura Boris Schnaiderman deixou de lado as traduções do russo para se dedicar a um volume que mistura ensaio e autobiografia. A obra já tem título: Meu Século, Minha Fera. Ele se recusa a definir o gênero do que está escrevendo:

– É um livro em que misturo memórias e textos críticos.

Nesta entrevista, concedida de sua casa, em São Paulo, por telefone, Schnaiderman fala da tradução de Tolstói e de sua própria experiência na II Guerra Mundial (Luiz Antônio Araujo):

Zero Hora – Por que o senhor decidiu refazer suas traduções do russo?

Boris Schnaiderman –
Esta é a quarta vez que traduzo Khádji-Murát. A primeira vez foi em 1949. Refiz o trabalho porque estava insatisfeito com os resultados anteriores. No final dos anos 1940, eu era o único a me dedicar à tradução direta do russo no país. Antes – na década de 1920, por exemplo –, tinha havido tentativas.

ZH – A maioria das edições existentes de autores russos era traduzida de outros idiomas.

Schnaiderman –
Sim. Às vezes, uma obra era traduzida do russo para o francês, do francês para o espanhol e depois para o português. Havia casos muito tristes de deformação. Houve uma grande voga de literatura russa na década de 1890 e, a partir da França, ela se espalhou por vários países e chegou ao Brasil.

ZH – Quais foram as dificuldades para o seu trabalho na época?

Schnaiderman –
Não dispunha de material de consulta. Não tinha um dicionário à mão. Não existia nenhum dicionário russo-português. Havia russo-francês, russo-alemão. A primeira tradução foi uma ousadia sem conta, um ato impulsivo. Hoje em dia, acho isso condenável.

ZH – Consta que o senhor rejeitou o título, O Diabo Branco.

Schnaiderman –
Era o título de um filme. Houve vários filmes inspirados em Khádji-Murát. É um romance quase cinematográfico. Sergei Eisenstein (cineasta russo) chegou a escrever que parecia ter sido feito para o cinema. Eu falei com o editor, mas ele não deu ouvidos. Ele queria o título do filme.

ZH – Qual é, na sua opinião, o lugar desse livro na obra de Tolstói?

Schnaiderman –
O tema hoje em dia parece candente porque trata da luta dos russos contra os povos do Cáucaso, inclusive os chechenos. A luta contra os que tinham se revoltado. Uma grande revolta de fundo religioso. Tolstói mostra o absurdo da guerra tanto de um lado como de outro. Os nativos estavam lutando contra o domínio russo, mas ele mostra os absurdos, os exageros e as violências de lado a lado. Quando era moço, me revoltava com a atitude de Tolstói de se manter distante dos dois lados. Minha simpatia estava toda com os nativos do Cáucaso. Com a idade madura, percebo a profunda verdade que há nessa novela.

ZH – O senhor foi integrante da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, na II Guerra Mundial. Já tinha lido Tolstói?

Schnaiderman –
Já tinha lido bastante. Fui um dos poucos naturalizados que participaram da FEB. (Schnaiderman nasceu na Ucrânia e chegou ao Brasil aos oito anos, em 1925.) Houve um movimento de arregimentar estrangeiros, mas na hora H, foram bem poucos os naturalizados. Não fui voluntário porque, se me apresentasse, meus pais fariam tudo para que eu não fosse. (Risos.) Eu era engenheiro agrônomo e funcionário do Ministério da Agricultura. Fiz tudo para ser convocado. Me alistei na Artilharia e fiz curso de sargento. Era calculador de tiro.