GilmarJunior

Textos de minha vida.

segunda-feira, novembro 06, 2006

O sol enobrece – por Gilmar Luís – 6 de novembro de 2006.

Houve um guarda-sol solitário na praia. Também pudera. O céu plúmbeo fechava o cenho para que a areia do mar fosse revolvida sob pés peraltas. O único artefato de veraneio nem das cores vibrantes do verão fazia uso. Era igualmente cinza.

Ela saiu da casa de veraneio, após o término do Jornal da Band. Era dia, uma maravilha impetrada pelo horário de verão. Tomou o guarda-sol largado na soleira da porta. Não procurou por esteira, bronzeador, cesta de quitutes. Queria aproximar-se de Deus. A costa gaúcha, retilínea, desagrada a muitos veranistas. Mas, naquele momento, era-lhe azada. De um lado, as ondas se perdiam em rebentações compassadas. De outro, uma revoada apressada de gaivotas sinalizam um vazio sem fio na malha plúmbea.

Volveu a cabeça duas vezes. Divisou os dois elementos descritos. Sorriu, apertou as mãos umas nas outras. Esmagou nos lábios: “Só Deus sabe o que faz, quando faz e por que faz”. Dito em uníssono, caiu num choro convulso. Virou-se costas. Uma mulher sem dentes, alquebrada pela imundícia e pela faina da esmola, catava latinhas de alumínio largadas a esmo pelos turistas. As cordas lacrimosas engrossaram, era como um portentoso rio, que não dava margem a algum afluente.

Pensou em tirar algum trocado do bolso, mas saiu sem provisões. A reportagem apresentada pelo jornalista Ricardo Boechat tomou-lhe as vistas. Pausadamente, com voz inflexível, Boechat afirmou que os servidores do Poder Judiciário gozam de 6 meses de folga, além de ostentarem dividendos mensais superiores a R$ 12 mil. Um trabalhador comum, salientava a matéria, tinha de sobreviver com parcos R$ 1.030.

Não suportou tamanha avalanche de disparates. Desligou a TV, empunhou o guarda-sol que jamais faria oposição a um astro-rei escondido naquela tarde nebulosa. Do ser humano, a não tão jovem moça havia descartado quaisquer sentimentos virtuosos. Remorso, pensava ela, jamais acometeria corações egoístas como os do Judiciário. A moça balbuciou o próprio nome, cada sílaba entrecortada de um soluço compulsório: Es-pe-ran-ça.