GilmarJunior

Textos de minha vida.

domingo, fevereiro 05, 2006

O que houve com a esquerda?, por Gilmar Luís Silva Júnior – 05 de fevereiro de 2006.

A eleição de diversos governos de esquerda na América Latina – Hugo Chávez em 1998, Lula e Kirchner no raiar do século XXI e, recentemente, Evo Moralez – ostenta para o restante do planeta que o continente tem-se tornado um bastião dos movimentos de rebeldia. Nada mais justo que as grandes conferências de crítica ao modelo de capitalismo atual aportassem em países latino-americanos. O Fórum Social Mundial deste ano, na Venezuela, corrobora a afirmação.

Mas um cheiro de impotência se imiscui entre aqueles que pensam em ações efetivas de combate às desigualdades sociais. Inúmeras vezes, o FSM carregou a pecha de ser um Woodstock Social, onde tudo se fala e nada se decide. Os dias no FSM premiam a quem lá se dirige com palavras há muito banidas do vocabulário político de outras regiões. O italiano Mimmo Porcaro, da Associação Cultural Punto Rosso, está em Caracas e, sem exageros, fala em “renascimento” ao se referir sobre os conceitos que andam em voga nas ruas da capital venezuelana. “Vocês estão tendo a coragem de usar de novo uma palavra que, entre nós, está praticamente banida. Na Europa, socialismo tornou-se uma palavra quase impronunciável”, disse.

O termo “socialismo” realmente está presente em diversos souvenires, mas carece de definição prática. A implantação de uma sociedade socialista permanece no mundo imaginário, quase em um plano metafísico. Roberto Sávio, presidente da agência IPS e membro do comitê internacional do Fórum, endossa esse medo: “O FSM não pode se limitar a ser uma espécie de exercício espiritual”. Um plano de ataque deve ser erigido, e rápido. O mundo está envolto em mais um prenúncio de guerra. O presidente George W. Bush e Cia começam a elencar uma série de motivos para a invasão do Irã.

O que mais assombra é o silêncio da esquerda mundial acerca disso. Em dias de Fórum, o debate sobre a geopolítica da delicada situação entre EUA e Irã aliciaria uma boa parte das atenções. Mas nada. Análises furtivas aparecem, sem o encanto de serem disseminadas. O jornalista Mike Whitney redigiu uma matéria na qual aponta, de forma contundente, os escusos motivos que levarão Bush a invadir o País dos Aiatolás.

Whitney afirma que o governo norte-americano quer invadir o Irã para impedi-lo de criar uma Bolsa que comercialize petróleo em euros. Isso significaria que milhões de dólares seriam despejados de volta nos EUA, ruindo o valor da moeda americana. O mercado do “ouro negro” é monopolizado pela América, através de duas instituições norte-americanas sediadas em Londres. Assim, a atual conjuntura força os bancos centrais de inúmeros países a manterem portentosos estoques de dólares. Com isso, a moeda norte-americana representa 68% das reservas globais de divisas. Sob a escusa de proteger o mundo de uma hecatombe nuclear, Bush deseja resguardar o sistema capitalista como está: gerando milhões de pobres e enriquecendo meia dúzia de asquerosos empresários.

Em outras épocas, a esquerda mundial levantar-se-ia em armas ou em protestos gigantescos. Saudades de 1968, o ano que jamais terminou. A dita “esquerda” atual, em especial as cúpulas latino-americanas, aperta as mãos sujas de petróleo de Bush. Lula propala como vitória da administração petista o pagamento de milhões de dólares ao FMI, referentes tão-somente aos juros da dívida externa brasileira. O Brasil não deixou de estar na periferia do mundo, mas o governo do PT teima em aparentar o contrário. Chávez ataca pedrinhas na vidraça norte-americana, mas não se vale dos milhões em caixa para melhorar a situação do povo venezuelano. No Fórum Social Mundial 2006, um político cassado por corrupção teima sobreviver politicamente. Qual a moral e que empáfia do ex-ministro José Dirceu em discursar num local destinado à oposição de tudo que é ruim?

A esquerda calou-se, ficou bem-comportada e hoje traja ternos Armani. Ser histérico remonta aos vestígios ruins de um passado radical. Lutar por um mundo mais solidário é algo fora de moda. Ou é matéria-prima para discussões acaloradas em congressos e fóruns que, ao terminarem, nada mudam pelos arrabaldes miseráveis.