GilmarJunior

Textos de minha vida.

sábado, novembro 19, 2005

Foram-se as fronteiras, por Gilmar Júnior, em 16 de novembro de 2005

Dois acontecimentos, no segundo semestre de 2005, exibiram uma nova tônica planetária. O furacão Katrina nos EUA e a queima de carros por gangues na França fazem crer que o conceito Primeiro e Terceiro Mundo caíram por terra. A classificação entre ricos e pobres não pode mais ser vista como o tradicional eixo Norte-Sul. Hoje, Primeiro e Terceiro Mundos se mesclam em diversas sociedades, desde os Andes bolivianos até a charmosa Paris.

O furacão Katrina e seu rastro de devastação nas cidades do Sul dos EUA não foram mais intensos que a queda da máscara da sociedade estadunidense. O governo Bush terá de se explicar perante o mundo e diante dos próprios cidadãos americanos o por quê de tanta miséria na nação mais rica do planeta. O renomado cineasta Michael Moore, autor do bombástico documentário Fahrenheit 911, redigiu uma carta, que se disseminou pelos internautas, na qual contesta a fleuma do governo George W. Bush em socorrer populações de New Orleans, a capital mundial do jazz e terra de muitos negros. Ou Bush não curte jazz, ou Bush não respeita os negros, no país que se intitula o berço da democracia nas últimas décadas.

As águas do Katrina, sem dúvida, arrasaram casas, lojas, fábricas e campos. Além do prejuízo concreto, a imagem do Terceiro Mundo em terras ianques assombrou o mundo. A opinião pública internacional já vinha promovendo uma pertinente censura aos desmandos de Bush. A metamorfose do Iraque – de uma ditadura sangrenta a uma terra de mortos-vivos – era o empecilho mais veemente aos atos perpetrados pelos EUA. Mas desgraça pouca é bobagem, diz o adágio. Até mesmo o poderoso Bush e sua trupe não estão incólumes aos desígnios do destino.

Logo em seguida, na França, país que o senso comum define como “nação civilizada”, o recrudescimento político está colhendo frutos amargos. A ascensão do ministro do Interior francês, Nicolas Sarkozy, foi o estopim para que segmentos sociais há décadas alijados das benesses do capitalismo explodissem. Literalmente, houve explosão de ódios ao crescimento da direita na França. A terra da Torre Eiffel e da boa literatura assiste a batalhas campais entre jovens sem esperança e a polícia, cuja ação visa sufocar os levantes tachados de “selvagens” pelo governo insosso. A ação da alta cúpula francesa comunga dos mesmos princípios da horda norte-americana ao redor do mundo: dividem o mundo num maniqueísmo asnático, que repousa na diferença entre mocinhos e bandidos.

No entanto, para o alarde dos governos Bush e Chirac, os pobres não estão apenas na África, na Ásia e na América Latina. Os miseráveis vivem a poucos quilômetros das mansões e dos QGs militares. A fronteira entre Primeiro e Terceiro Mundo não obedece mais às linhas demarcadas nos mapas. A divisão mundial, sob a égide do neoliberalismo, risca conceitos antigos e aponta para uma luta de culturas mundiais. Não se pode mais assinalar os locais de maior potencial “terrorista” no planisfério. Ataques podem vir do seio da própria nação. Tudo isso atrelado ao progresso das comunicações instantâneas. Tudo isso ignorando fronteiras nacionais. E, infelizmente, tudo isso buscando formas mais atrozes de vencer os embates.

Contudo, as belicosidades na França apresentam um amadurecimento, se comparadas aos ataques promovidos pela rede Al-Qaeda. Parcelas de negros, muçulmanos, ciganos e outros setores marginalizados na sociedade francesa uniram forças, ainda que temporariamente, e fomentam ataques ao Estado francês e a tudo que o representa: polícia, empresas, etc. Os roubos e os saques são diminutos nas ditas arruaças promovidas pela “ralé”, segundo palavras de Sarkozy. Isso demonstra que até boa parte dos criminosos aderiram às reivindicações públicas. Resta ao governo rever a opressão, que como remédio, não funciona nem como paliativo.